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Mudanças desafiadoras nos seguros de grandes riscos

O Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP publicou, no último dia 31 de março, com efeitos imediatos, a Resolução 407/2021, que dispõe sobre os princípios e as características gerais para a elaboração e a comercialização de contratos de seguros de danos para cobertura de grandes riscos.

Capitaneada por uma série de mudanças regulatórias que vêm sendo implementadas pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, e após consulta pública feita pelo órgão regulador ao mercado, a norma cria a categoria dos seguros de “grandes riscos”, até então inexistente no âmbito da autarquia, embora há muito já se a adotasse como jargão securitário, sem qualquer consequência direta do ponto de vista normativo.

Passam então a ser considerados “grandes riscos” os ramos de riscos de petróleo, nomeados e operacionais, global de bancos, aeronáuticos, marítimos e nucleares, além de riscos de crédito interno e crédito à exportação, quando contratados por pessoas jurídicas. Os demais ramos de seguros também se enquadrarão na categoria sempre que contratados por pessoas jurídicas e possuírem ao menos uma das seguintes características: Limite Máximo da Garantia (LMG) superior a R$ 15 milhões; quando, no exercício anterior, o contratante tiver ativo total superior a R$ 27 milhões; ou faturamento bruto anual superior a R$ 57 milhões.

Por fim, serão também de “grandes riscos” os seguros contratados por meio de uma apólice individual por mais de um tomador ou segurado, quando ao menos um deles apresentar os requisitos de ativos e faturamento mínimos apontados na norma, com destaque para o caso dos seguros garantias (muito usados em licitações e processos judiciais), nos quais tais requisitos contábeis se estenderão também para o grupo econômico do segurado ou do tomador, ampliando ainda mais o espectro de aplicação do novo marco regulatório.

A grande novidade da norma – afora a repetição de alguns princípios já previstos na lei civil – foi estipular, na penada, que as condições contratuais dos seguros serão livremente pactuadas entre as partes e que haverá tratamento paritário entre contratantes. Talvez não seja tão simples assim.

Pedro Ivo Mello e Luiza Perrelli Bartolo. Foto: Acervo pessoal

Atualmente, as seguradoras e principalmente as resseguradoras (que são quem garantem de fato os riscos financeiros das apólices de grandes riscos) dispõem de produtos com cláusulas padronizadas adotadas nos mercados mais desenvolvidos, salvo poucas exceções.

Para que a mudança buscada pela autarquia realmente se implemente seria preciso que toda essa cadeia de contratos internacionais — que também se altera a cada grupo ressegurador — fosse ajustada sob medida para conciliar os interesses e cláusulas contratuais específicas que determinado segurado e seguradora subsidiária desejassem implementar no Brasil. Não que seja impossível, mas é algo bem improvável de ocorrer, ao menos para o amplo espectro de apólices que serão abarcadas pela nova norma editada sob comando da SUSEP.

Algumas mudanças pontuais até são possíveis (como já ocorre hoje em dia por meio da contratação de condições particulares), mas presumir que haverá ampla liberdade para negociar as condições contratuais e paridade entre as partes contratantes parece improvável no atual cenário. O Brasil ainda conta com pouquíssimas seguradoras capazes de assumir os grandes riscos, o que gera baixa competitividade e altos preços para contratação deste tipo de apólice, diminuindo o poder de barganha dos segurados, que muitas vezes se veem obrigados a aceitar cláusulas que esvaziam a garantia securitária pretendida ou condicionam seu acionamento a gigantescas franquias e participações obrigatórias do segurado nos prejuízos.

Não é necessário ir longe: exemplo gritante disso foi a imposição das cláusulas particulares de exclusão de cobertura de quaisquer eventos relacionados à Operação Lava-Jato nos seguros de responsabilidade civil de diretores e administradores de pessoas jurídicas (seguro de RC D&O), independentemente do tipo de acusação e do resultado do julgamento em relação aos segurados e a empresa tomadora da apólice, como se fosse possível presumir a prática de crime doloso, este sim não coberto.

Aliás, o seguro D&O merece destaque particular no âmbito da nova resolução, pois, apesar de ter sido excluída sua menção expressa como um dos ramos da categoria de “grandes riscos” após fundamentadas críticas do mercado à minuta posta sob consulta pública, sua inclusão veio de forma “embrulhada” na norma publicada pela autarquia, ao estabelecer no §1º do art. 2º da resolução, que as apólices individuais com mais de um segurado, contratadas por empresas que preencham os fatores de ativo e faturamento mínimo previsto na norma, estarão sob o manto da norma.

Fato é que, muito provavelmente, somente as empresas que possuam riscos extraordinariamente grandes terão envergadura comercial e capacidade negocial para, de forma “paritária”, “livremente negociar” e alterar toda a secular e complexa estrutura de contratos internacionais padronizados de seguros e resseguros.

Nesse sentido, preocupa que os clausulados se “descolem” do interesse segurado, já que, além do poder de barganha comercial mencionado acima, as companhias seguradoras também têm uma expertise técnica absolutamente superior à dos segurados para criar clausulados com potenciais “gaps” ou descasamentos de cobertura que igualmente esvaziam a garantia contratada, mesmo com o risco ainda presente.

E há apólices que são condicionantes para a manutenção dos negócios e atividades do segurado, como as de riscos operacionais, de petróleo, dentre outras. Caso não aceite as cláusulas e condições impostas pela seguradora, nesse amplo espaço de “livre negociação”, o segurado fica sem alternativa. Terá que contratar de qualquer forma.

É claro que a norma tem pontos positivos. Teoricamente, os princípios elencados podem melhorar o ambiente de negociação, além de trazer liberdade para a estruturação das apólices, o que tende a gerar maior qualidade na redação dos contratos, engessados num formato arcaico e pouco compreensível para os segurados e até seguradores.

Mas na prática a teoria é outra, o que impõe ainda mais cuidado às empresas contratantes de seguros de “grandes riscos” ao negociar os clausulados das apólices, sob pena de se pactuar uma garantia securitária possivelmente esvaziada e ineficaz contra os riscos a que se pretendem ver resguardados.

*Pedro Ivo Mello e Luiza Perrelli Bartolo são sócios do escritório Raphael Miranda Advogados

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Resolução do CNSP autoriza a contratação direta de resseguro pelas entidades de previdência complementar e operadoras de planos de saúde

Em 9 de março de 2020, o Conselho Nacional de Seguros Privados (“CNSP”) publicou a Resolução CNSP nº 380/2020, que altera a Resolução CNSP nº 168/2007, para equiparar as entidades abertas de previdência complementar (“EAPC”) às seguradoras, bem como equiparar as entidades fechadas de previdência complementar (“EFPC”) e as operadoras de planos privados de assistência à saúde às cedentes, para fins de contratação de resseguro.

Assim, a partir de 1º de abril de 2020, todas as entidades agora equiparadas terão a prerrogativa de transferir seus riscos diretamente a uma resseguradora, sem a necessidade de contratação prévia de seguro junto a uma seguradora.

Destacamos no decorrer do texto algumas considerações sobre a interpretação do conceito de cedente que vem sendo debatida a partir da abertura do mercado de resseguro.

Desde então, a redação da Resolução CNSP nº 168/2007 endereçava uma definição restritiva de cedente, considerando apenas as seguradoras que contratam operação de resseguro ou os resseguradores que contratam operação de retrocessão, com equiparação limitada das cooperativas autorizadas a operar em seguros privados às seguradoras. A partir de agora, esse rol passará a abranger, por equiparação, também as EAPC, EFPC e operadoras de planos de saúde.

Apesar de a norma ter sido publicada recentemente, o tema não é novo. A possibilidade de contratação direta de resseguro pelas as entidades de previdência, sejam elas abertas ou fechadas, e pelas operadoras de planos de saúde é discutida desde a abertura do mercado de resseguro brasileiro, com a edição da Lei Complementar nº 126/2007.

Isto porque, tanto a Lei Complementar nº 109/2001, que dispõe sobre o regime de previdência complementar, como a Lei 9.656/1998, que trata dos planos e seguros privados de assistência à saúde, já autorizavam a celebração de contratos de resseguro pelas entidades de previdência complementar e pelas operadoras de planos de saúde[1], respectivamente.

Assim, no âmbito da publicação da Lei Complementar nº 126/2007, houve debate acerca da extensão do conceito de cedente também às EFPC, EAPC e operadoras de planos de saúde, na medida em que a exposição de motivos da referida lei complementar destacava a intenção de adequar o sistema brasileiro de resseguro às práticas internacionais.

A matéria resta então pacificada, agora, com a edição da Resolução CNSP nº 380/2020. De acordo com a Procuradoria Federal junto à SUSEP, que avaliou a legalidade da referida resolução, todas as leis mencionadas se complementam e devem ser interpretadas sistematicamente. Sendo assim, entendeu que é possível (e legalmente prevista) a contratação de resseguro diretamente por tais entidades, motivo pelo qual são equiparadas, em tudo e por tudo, a cedentes de risco em operações desta natureza.  

Segundo a Procuradora Federal entender diferente, isto é, que a contratação de resseguro pelas EAPC, EFPC e operadoras de planos de saúde somente deve ocorrer mediante a intervenção de seguradoras, significaria atribuir às seguradoras um papel meramente intermediário – o que não se poderia aceitar em razão de seu objeto exclusivo que não abrange a intermediação.

Nesse sentido, em linha com a exposição de motivos da Lei Complementar nº 126/2007, o CNSP esclareceu que o novo normativo faz parte do plano de aprimoramento da regulamentação brasileira de resseguros. De acordo com o voto de aprovação da norma pelo CNSP, o objetivo é tanto ampliar a concorrência como incentivar a diversificação de produtos.

Não se altera, porém, a exclusividade dos resseguradores locais nas operações de resseguro relativas a previdência complementar, nem a necessidade de as cedentes observarem as demais normas sobre cessão de risco (incluindo, a oferta preferencial). A Resolução CNSP nº 380/2020 ainda se mostra consistente com a Resolução CNSP nº 363/2018, que permite a aceitação de riscos do exterior por resseguradores locais independentemente de quem seja a cedente, bastando que sociedade ou entidade em questão esteja autorizada a contratar resseguro ou retrocessão na forma determinada pelo órgão supervisor do país de domicílio da cedente.

A competência para fiscalização desses entes regulados também fica mantida, isto é, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc e a Agência Nacional de Saúde – ANS permanecem fiscalizando as EFPC e as operadoras de planos de saúde, respectivamente, sendo o poder de polícia da SUSEP limitado, nessas hipóteses, à supervisão das operações de resseguro em si.

É possível que nos próximos meses ocorra publicação de normas conjuntas dos órgãos supervisores desses mercados (SUSEP, PREVIC e ANS), mas, desde já, a Resolução CNSP nº 380/2020 se apresenta como uma importante oportunidade para o mercado.

Continuaremos acompanhando os desdobramentos do tema e informaremos em caso de novidades.

 

[1] No âmbito do segmento de saúde suplementar, conforme nota disponibilizada no website da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, em 23 de junho de 2009, somente as operadoras constituídas sob a forma de sociedades seguradoras especializadas em saúde estariam autorizadas a contratar diretamente resseguro (Disponível em: http://www.ans.gov.br/a-ans/sala-de-noticias-ans/a-ans/1073-resseguro-na-saude-suplementar).

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