Os números envolvidos na criação de um novo autódromo no Rio de Janeiro
impressionam. Para o projeto, destinou-se um terreno de 4,5 quilômetros de extensão, em
Deodoro, espaço no qual a vencedora da licitação deverá construir e administrar a pista.
A concessão envolve a fabulosa quantia de R$ 697 milhões. Em contraste com a
dimensão do projeto, há uma série de aspectos estranhos que merecem atenção.
Na largada, a única empresa que concorreu na licitação, Rio MotorPark, foi criada
apenas 11 dias antes do lançamento da concorrência pública, como noticiou o G1. O
presidente da empresa é sócio de consultoria que assessorou a elaboração do edital de
licitação, o que sugere notório conflito de interesse.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investiga o caso pela incompatibilidade
entre o patrimônio da empresa e o porte do empreendimento – o capital social da
vencedora da licitação é de apenas R$ 100.000. Além disso, o Ministério Público Federal
constatou a redução das exigências do edital em curto espaço de tempo e inclusive
promoveu ação judicial para suspender a licitação diante da falta de Estudo Prévio de
Impacto Ambiental, em área de Mata Atlântica. A alta velocidade das pistas, não justifica
vistas grossas às eventuais ilegalidades.
Na reta final, surpreende a falta da garantia de 1% do valor da concessão, exigida
na licitação. A carta fiança oferecida como suposta “garantia” pela Rio MotorPark foi
emitida pela Maxximus, inapta legalmente para essa atividade, como já decidiu
recentemente o Tribunal de Contas da União.
Vale lembrar que em licitações e contratos com a administração pública é usual a
exigência de garantia de capacidade de realizar fielmente o contrato, seja obra, seja
serviço. A Lei de Licitações define três mecanismos para tal garantia. As cartas fiança
oferecidas por instituições financeiras, sujeitas ao controle do Banco Central; a caução em
dinheiro ou títulos públicos; e, por fim, os seguros garantia (bid e performance bond)
contratados junto às seguradoras, submetidas à regulação da Superintendência de
Seguros Privados (SUSEP), a qual impõe rigorosas normas e procedimentos
fiscalizatórios para assegurar as reservas financeiras. Ao não se enquadrar, nem como
instituição financeira, nem como seguradora, a Maxximus não é autorizada a emitir seguro
garantia, muito menos carta fiança bancária, logo, não está submetida a controle de seu
lastro.
O seguro garantia destina-se a assegurar o cumprimento das obrigações
assumidas pela empresa contratada e, com isso, a satisfação do contratante em ver seu
projeto concluído. Para tanto, avaliam-se os respectivos riscos e uma série de outras
circunstâncias, tal como situação financeira da empresa que executará o contrato, a partir
das quais se estabelecem a reserva de capacidade e o preço (prêmio) do seguro.
Na contramão das alternativas legais admitidas para mitigação dos riscos inerentes
ao desenvolvimento de um grande projeto, observa-se no caso do Autódromo um contrato
que ultrapassa meio bilhão de reais, sem a necessária segurança, respaldo que teria sido
facilmente alcançado caso fosse exigida a apresentação de seguro garantia emitido por
seguradora devidamente autorizada a operar e fiscalizada pela Superintendência de
Seguros Privados – SUSEP ou fiança bancária emitida por agente financeiro regulado pelo
Banco Central.
Diante das múltiplas irregularidades presentes a Justiça Federal do Rio de Janeiro,
em Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Federal, determinou, em caráter
liminar, a suspensão da licitação. A decisão do Judiciário salientou a necessidade da
suspensão para “evitar danos não só ao meio ambiente, mas também prejuízos
econômicos ao próprio ente federativo, caso venha a ser reconhecida a inviabilidade do
empreendimento”.
As múltiplas irregularidades e a frágil garantia expõem a administração a inúmeros
perigos. Do ponto de vista legal, os desvios no traçado são preocupantes. Do ponto de
vista securitário, perdeu-se a oportunidade de uma efetiva estratégia de pulverização de
riscos, útil à sociedade. Enfim, o autódromo começa por um caminho torto.
Rui Ferraz Paciornik, advogado, sócio do Escritório Trajano Neto e Paciornik
Advogados, banca full service com atuação nacional e ênfase no Direito Securitário.
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